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  • Foto do escritorTudo Sobre Pós-graduação

Assédio moral na academia, até quando?

Veja este relato impressionante, triste e infelizmente recorrente na relação orientador/orientando disponibilizado pelo pós-graduando Michel Branco.


Em 2016 fui aprovado em uma seleção de Mestrado na UFPB. Inicialmente, minha orientadora estava de licença maternidade e passei aproximadamente 6 meses desenvolvendo minhas atividades sem ao menos conhecê-la.


Após o retorno da minha orientadora, foi definido um tema de pesquisa e comecei a pesquisá-lo. 2 meses depois, a orientadora informou que precisaria mudar o tema da pesquisa e, com isso, passei a pesquisar tudo do zero.


No 9° mês de mestrado fui convocado para uma reunião na qual minha orientadora pedia minha anuência em repassar minha orientação para outra professora, alegando que estava com problemas com a coordenação do Programa e que estava insatisfeita em compor o corpo docente.


Considerando minha excelente relação com a primeira orientadora, me posicionei a favor da mudança. Novamente, inicio a pesquisa do zero, pois, mais uma vez, o tema foi alterado (já se passando 9, dos 24 de prazo para conclusão).

Em 3 meses tive que estruturar toda a pesquisa para me submeter à qualificação, que obrigatoriamente ocorre ao 12° mês. No dia da qualificação, ainda obtive elogios de parte da banca e da minha então orientadora só recebi reclamações. Ainda assim fui APROVADO.


A partir daí, passei a ouvir todos os dias as seguintes frases: “você não tem perfil de pesquisador”, “como você passou na seleção?”, nas apresentações públicas ouvia “nada do que você faz presta” e, em uma reunião com todos os alunos, ouvi a ameça: “ou sua pesquisa anda ou irei abandonar sua orientação”.


Após uma semana sem conseguir dormir direito, preocupado com a situação, solicitei uma reunião com a orientadora e co-orientadora (orientadora inicial) e me dirigi nos seguintes termos: “professora, diante dos problemas que estamos enfrentando, não seria mais viável a Sra. de fato abandonar a orientação?”A reação foi a seguinte: “eu até abandono sua orientação, mas você não usa mais nenhuma vírgula do que produziu e, se usar, tomarei as medidas cabíveis.


O problema é que seu psicológico é muito fraco, meu orientador dizia até que ia trocar minha ração e eu tinha que ficar calada”. Nesse momento, fui obrigado a permanecer sob sua orientação e, a atitude que eu acreditava que me traria paz, me trouxe ainda mais frustrações.


A relação só piorou, minha co-orientadora pediu que eu me aproximasse mais dela em casos de dúvidas e só me dirigisse à orientadora em casos de extrema necessidade.

Eu já não sentia o mínimo ânimo no desenvolvimento das minhas atividades e tinha receio em me dirigir à pessoa que deveria me orientar.


Aqui, ressalto que minha co-orientadora me deu todo o suporte necessário, pessoa à qual sou imensamente grato. Inclusive, quando relatei ter me arrependido de aceitar a mudança de orientador ouvi: “mas aí eu estaria prejudicada, não estava mais dando pra mim, eu não estava bem trabalhando no programa”.


Apesar de tudo, compreendo a situação dela e me sinto bem por tê-la “ajudado”. Quando percebi que não estava bem, busquei atendimento psicológico na própria Instituição e também passei a registrar tudo que estava acontecendo.


Quando recebi minha dissertação para realizar as correções, a primeira que encontrei foi nos agradecimentos, que dizia: “agradeço o seu reconhecimento, mas prefiro que retire o mesmo”.


Ler isso, no início do trabalho, já me fez prever o que viria mais a frente. Próximo ao término do Mestrado, me submeti a uma seleção de Doutorado (o que é comum de se fazer quando estamos próximo à conclusão do Mestrado) e obtive aprovação para cursá-lo na UFPE (após provas específicas, avaliação e defesa de projeto, avaliação curricular, etc.).


Minha defesa de Mestrado estava marcada para o dia 23/02/2018, às 09h da manhã, com a banca examinadora definida e, após ter conhecimento da minha aprovação no Doutorado, a orientadora desmarcou a defesa, alegando que meu trabalho não possuía mérito científico (detalhe: a defesa já estava marcada e, curiosamente, só foi constatado a “falta” de mérito científico após a autorização).


Como se não bastasse, precisei ouvir coisas do tipo: “quem fez sua seleção de Doutorado? Porque só pode não ter sido você”, “você fez uma seleção sem o meu conhecimento”, dentre outras.


No dia em que praticamente implorei para defender o meu trabalho recebi a seguinte resposta: “a minha realidade é o seu trabalho e a sua pesquisa aqui, o que você fez lá fora NÃO ME INTERESSA”, além de: “você quer fazer o doutorado pela bolsa ou pela pesquisa?”


Ao responder que queria fazer o Doutorado pela pesquisa, porém, que precisava da bolsa para cursá-lo indaguei: por que a Sra. acha que quero fazer o Mestrado pela bolsa? E obtive a seguinte resposta: pelo que eu vi aqui, porque VOCÊ NÃO TEM PERFIL NENHUM DE PESQUISADOR.

Retirei-me da sala, fui obrigado a pedir prorrogação de prazo para defesa e, posteriormente, após ser questionado se havia conseguido matricular o Doutorado e responder que não, ouvi: “fique tranquilo, você defende o mestrado ainda esse mês”.


A partir daí, eu não consegui dar mais nenhum passo no mestrado, não conseguia sequer olhar para a orientadora.


Passei a me comunicar apenas por e-mail, porque era o único meio de comunicação no qual ela se dirigia a mim com “respeito”.


Cheguei a cursar três disciplinas no Doutorado, enquanto tentava solucionar o problema do Mestrado, obtive conceito A em todas as disciplinas e, para a minha surpresa, um dia meu orientador do Doutorado (que já tinha conhecimento de todo o problema) informa que minha orientadora havia ligado para a Coordenação do Doutorado, em outro Estado, querendo saber se eu estava lá, como havia conseguido entrar, informando que eu não havia defendido a dissertação e pedindo o meu desligamento (mais um detalhe: justamente ela, que dizia que minha vida lá fora não a interessava).


De imediato, viajei 2h de Recife a João Pessoa, cheguei em uma sala e, bastante nervoso falei: “suma da minha vida, você já me prejudicou o suficiente. Você não vai continuar me perseguindo”.


A resposta que ouvi foi: “vá com Deus, vá pela sombra, vá ser Doutor”. Além disso, curiosamente, o nome da orientadora desapareceu do meu histórico escolar e, no seu lugar, aparece o nome da co-oriendadora como se fosse a orientadora principal.

A Reitoria da UFPB, através da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, realizou contato com a UFPE informando ter conhecimento do problema, atestando o meu histórico enquanto aluno da Instituição (na graduação, especialização e em uma segunda graduação), indicando a possibilidade de um Doutorado Direto, entretanto, por mais que a Resolução/Regimento da UFPE permitisse este tipo de acesso, ficava a critério do Colegiado a decisão.


O Colegiado foi contrário e, diante dos conflitos, tive meu Doutorado suspenso por ter sido impedido de defender minha dissertação. Nesse momento, perdi minha única fonte de sobrevivência, a bolsa de Doutorado. Só minha família e eu sabemos o que passei. Só não passei fome porque podia contar com a minha mãe (dentro das suas limitações) e tia.


Protocolei processos administrativos em todas as instâncias da Universidade, comprovando com os registros o visível assédio moral sofrido e, sobretudo, os danos psicológicos que me foram causados, apresentando documentos emitidos pelos meus orientadores da graduação, especialização e doutorado, atestando a sadia relação orientador/aluno que tiveram comigo.

Nesse intervalo de tempo fui APROVADO em uma seleção como professor substituto da própria UFPB e assumi como Professor do Departamento de Ciências Exatas da Instituição. Fui muitíssimo bem recebido pela chefia, coordenação e, no dia da assinatura do contrato, encontrei a Reitora na porta da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas e recebi pessoalmente os parabéns e boas-vindas como professor da Instituição.

Em seguida, o Colegiado do Programa, após questionar o por que de eu não ter comunicado o problema à coordenação (lembrando que ela passou a ser a coordenadora), foi desfavorável à mim, o Conselho de Centro desfavorável e, no Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão, a votação empatou. A vice-reitora, presidindo a reunião, tinha voto de Minerva, mas preferiu se abster, mesmo tendo conhecimento de toda a situação.


Alguns conselheiros relataram, inclusive, ter passado por situações idênticas, outros, completamente apáticos, sem considerar nenhuma prova concreta constante no processo.

O que havia no processo que desfavorecia a orientadora, era suprimido/omitido, o fato de eu não ter comunicado os fatos “formalmente” e os registros que fiz dos acontecimentos eram exaltados, reafirmados e alvos de repreensão. Em uma segunda votação, a metade favorável a mim se absteve e a outra metade permaneceu desfavorável.


Resultado: perdi o meu Mestrado, mesmo tendo cumprido com todas as exigências regulamentares, integralizando as disciplinas, realizando o estágio docência, sendo aprovado na qualificação, proficiência e tendo publicado artigos em revistas e congressos internacionais.


Saí da reunião com os olhos repletos de lágrimas, mas não era necessariamente de tristeza, era pela sensação de impotência, injustiça, desgosto e frustração.

Ainda assim, segui para a sala de aula, na própria Universidade, recebi o apoio dos meus alunos e ministrei minha aula normalmente. Inconscientemente, os traumas me fizeram desenvolver aversão ao ambiente acadêmico, a ponto de eu não conseguir assistir às aulas de uma segunda graduação que estou concluindo na mesma Instituição e, após meses de terapia, consegui enxergar que tudo se tratava de uma aversão a um ambiente que remetia à sofrimento, tortura e dor.

Fui diagnosticado com transtorno misto ansioso e depressivo, faço uso de medicação de controle especial e todos os meses passo por consulta com um psiquiatra e, semanalmente, com uma psicóloga, o que tem me dado condições de, aos poucos, colocar as coisas no devido lugar.

Hoje, todo o caso passa por uma série de procedimentos na Defensoria Pública da União, seguirá para o âmbito judicial e segue sob análise do MEC, ao qual formulei denúncia com as devidas comprovações, através da Ouvidoria Geral da União.

Perdi aproximadamente 2 anos da minha vida (2018-2020) aguardando as decisões administrativas. Perdi oportunidades de emprego, perdi a oportunidade de realizar concursos para professor efetivo, dentre outras perdas. Considerando o tempo perdido, decidi dar prosseguimento à minha vida acadêmica, mesmo com todo o receio de me deparar com outra pessoa assim, porém, ergui minha cabeça e me cobri de fé.

Hoje, além de ser Professor Mediador dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas (IFAL) e do Rio Grande do Norte (IFRN), recebi a notícia da minha APROVAÇÃO no Mestrado em Matemática Aplicada, na UNICAMP.

Vale destacar, como todos sabem, que os Programas de Pós-Graduação no Brasil são avaliados pela CAPES e atribuídos conceitos, o qual o máximo é 7. O Programa de Pós-Graduação da UFPB possui conceito 3, o da UFPE conceito 5 e o Programa de Pós-Graduação da UNICAMP possui conceito 6.

A importância disso? Perceber que passar por esses problemas, embora tão constrangedor e doentio, só me fez alçar voos mais altos, não tem preço.

Agradeço à UFPB por tudo que ela representa na minha vida acadêmica, pela base que me foi dada. Agradeço à todos os professores que contribuíram de forma significativa e positiva com a minha formação e agradeço, sobretudo, à minha EX-orientadora, pela pedra imensa colocada no meu caminho e, principalmente, por me ensinar a não segui-la como exemplo.

Esta última, contribuiu indiretamente para que eu chegasse à 2ª MELHOR INSTITUIÇÃO PÚBLICA DO PAÍS, de acordo com a QS Quacquarelli Symonds e 3ª MELHOR DA AMÉRICA LATINA, segundo a Times Higher Education.

Sigo na busca por justiça e compartilho a ocorrência destes fatos na esperança de que, um dia, nenhum outro estudante tenha sua vida prejudicada, sua saúde afetada e seus sonhos atrasados (no meu caso) ou impedidos (nos casos de muitos que desistiram) em virtude de condutas falhas que ferem princípios éticos, profissionais e, sobretudo, humanos.


João Pessoa – PB, 09/07/2020

Prof. Michel Alves Branco Mestrando em Matemática Aplicada – UNICAMP Especialista em Gestão da Educação Municipal – UFPB Licenciado em Matemática – UFPB

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